domingo, 8 de março de 2009

Culture clash

Quando soube que vinha para Macau (depois de EUA e Madrid como ameaças - sim porque no dia da divulgação dos destinos disseram em alto e bom som à frente de 400 pessoas: Catarina Bandeira, EUA, ao qual eu pulei de alegria para depois o senhor dizer: ah e tal isto é engano, afinal vai para Espanha), estava preparada para encontrar muitas diferenças culturais. Mas realmente há umas a que não se conseguem ficar indiferente por mais espírito aberto que se tenha. Não é uma crítica, é uma observação.

Tudo começa quando se anda nos autocarros: em Macau são pequenos, com meia dúzia de lugares sentados. Os chineses, ao que parece, detestam mesmo viajar de pé porque assim que o autocarro pára na estação, o recato e contenção das pessoas desaparece e desata tudo a correr e a empurrar-se para entrar, numa luta corpo-a-corpo à qual nem velhos nem crianças escapam. Claro que a nossa relutãncia em participar neste confronto quase medieval leva a que nunca arranjemos lugar sentadas. Depois, quando alguém toca na campainha para sair começa toda a gente num alvoroço para ficar com o lugar vazio, numa espécie de jogo das cadeiras que ganha quem conseguir subrepticiamente enfiar-se no dito lugar recorrendo a toda a mestria na arte de deslizar entre a massa de gente.

Dentro do autocarro há também sinais interessantes que pedem o obséquio aos senhores passageiros de não cuspir no chão, se não for muito incómodo. É sempre bom avisar, porque de certeza muitos chineses não sabiam que é uma badalhoquice fazer tal coisa.

Ainda em relação a meios de transporte, eles gostam de enfeitar os carros. Já falei do freestyle teddy bear décor, do extreme tunning, mas quando há casamentos eles gostam de elevar a fasquia. Nestas ocasiões, no carro dos noivos abunda o cor-de-rosa , e o tule, as flores em cada canto e os laçarotes são apenas a moldura para a piéce de resistance que é um casal de peluches no capot (podem ser ursinhos, bonequinhos, qualquer coisa desde que seja o par). Segundo me foi dito, faz também parte do ritual do casamento, o casal fazer uma sessão fotográfica (antes do mesmo) em locais idílicos, vestidos a rigor (de noiva e noivo), e depois fazem um àlbum que durante o casamento é passado de mão em mão para que cada convidado tece alguns comentários à cerca da fotogenia dos noivos.

Adorava presenciar um destes casamentos, porque a julgar pelas montras de vestidos de noivas e damas de honor, devem ser um desfile carnavalesco de mau gosto ao nível de qualquer filme de kusturika.

Outro aspecto em que a cultura chinesa difere muito da nossa é os limites entre o que é feito em público e o que é intimidade. Já falei no cuspir para o chão, no arroto nada tímido, na flatulência que assalta os chineses no meio da rua. Mas há outros fenómenos interessantes: os miúdos chineses não usam fralda, usam a rua para aliviar as suas necessidades, para proteger os rabinhos de ficarem assados. E como ninguém quer que os miúdos molhem as calças, estas são especialmente desenhadas, com um buraco entre as pernas, para que no caso de emergência seja só afastar a perna e cá vai disto. Ah, é para a coisa não se tornar muito complicada também não usam cuecas, porque há que poupar todos os segundinhos. No entanto, nenhum chnês convida alguém para ir a sua casa. Não isso é que não, é uma invasão de privacidade, uma exposição demasiado grande da sua intimidade.

Assim, a relação com o espaço público é muito interessante. De manhã vêm-se os velhotes a fazer tai chi no jardim e em vários locais de Macau existem ginásios ao ar livre, com máquinas de exercícios (que pintadas de amarelo e vermelho mais parecem um parque infantil) numa demonstração da generosidade do regime: milhões de chineses vivem abaixo do nível de pobreza, mas ao menos andam em forma. Quando o cansaço toma conta deles, agacham-se no meio da rua, numa posição de desafia qualquer conforto, mas que zela pela manutenção dos bancos de jardim.

A relação entre pessoas do mesmo sexo e de sexos opostos é também algo que foge à minha compreensão. É muito vulgar ver-se as raparigas de mãos dadas a passearem na rua, o que não chocando propriamente, se torna esquisito quando vemos que elas não se largam. E os homens não se ficam atrás: tentando mostrar ao mundo a forte amizade que os une, andam abraçados para todo o lado. E não, não são gays, apesar de o andarem com malas de mulher ter levantado fortes suspeitas disso. No entanto, apesar deste contacto físico todo, homens e mulheres não se tocam. Quando nos mudámos para a nossa casa, a Inês conheceu um nosso vizinho chinês de Hong Kong que dias depois encontrámos na paragem do autocarro. A Inês, num lapso totalmente lamentável, lá foi dar dois beijinhos ao Kevin, o vizinho, ao que o rapaz congela e permanece parado no mesmo sítio, ficando ainda mais branco. Parecia que tinha sido violado, coitado.
No entanto é bom ver as coisas que temos em comum: tal como em Portugal os senhores taxistas cultivam a arte da unhaca bem grande, acessório extremamente útil numa grande variedade de situações. Por outro lado, se eu achava que os portugueses conduziam mal, senti um grande orgulho nos nossos condutores quando cheguei a Macau. Não é que eles conduzam mal, é mais que eles não sabem o que é conduzir.

Ficam algumas fotos para mostrar estas preciosidades



2 comentários:

  1. Não imaginas o quão bom foi ler isto... Aqui no japão não há essas coisas mais porcas, mas há também enormes diferenças culturais; que por mais que tenta compreender, não chego lá (nem chego perto que é bem pior!). Já pensava que era só eu que vivia estas situações maradas...

    Boa sorte :)

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  2. Que delícia de texto Cata...não me canso de ler e reler!....saudades...beijo!Pai

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