domingo, 29 de março de 2009

Elogio da China

Já fiz alguns posts a comentar as particularidades de Macau, quase sempre as piores. E percebi que negligenciei tudo aquilo que há de bom (a sério...há mesmo)

Como já tinha dito, Macau é muito seguro. Nunca ouvi falar de um assalto, de um roubo por esticão (nem por outras formas), de crimes violentos de qualquer espécie. Nunca senti nenhuma espécie de insegurança, aquele friozinho no estomâgo e aquela ugência em acelerar o passo e olhar discretamente à minha volta, que às vezes sinto em Lisboa.

As ruas, como também já comentei, são limpas de dejectos caninos. As pessoas que passeiam os cães, de alguma forma conseguiram educar os animais (à custa de muita paulada suponho) a aliviarem-se para cima de papéis de jornal que depois apanham e deitam fora. Até quando os cães fazem xixi eles deitam um pouco de àgua por cima para tentar lavar a rua. Ñós, que nos dizemos um país civilizado, andamos na rua de olhos colados ao chão, a fazer desvios de toda a porcaria que encontramos nos passeios.

A comida também é muito boa. Apesar do aspecto algo sinistro de algumas tascas, e de sempre que lá vou tentar não olhar muito para a cozinha, grande parte do que provei gostei imenso e confesso que já sou fã. Da outra parta é melhor não falar muito. Os dumplings (pequenos bolos de massa de arroz com vários tipos de recheios) os noodles, os vegetais, têm todos um sabor que nos é estranho mas que depois se entranha. E as questões de higiene provaram ser secundárias, porque ainda não tive ameaça de problema intestinal. Além do mais sabe bem não acabar de almoçar tão cheia que só apetece dormir. Também há imensos "estabelecimentos de comidas" (a.k.a restaurantes) onde servem fruta acabada de cortar, em sumos, batidos ou cortados em pedaços, a um preço impossível em portugal. No Verão cheira-me que vou-me tornar grande cliente.

Também já tinha falado do espírito reservado dos Chineses (exceptuando claro quando está em causa um lugar sentado no autocarro). De facto, os Chineses são tão reservados que sempre que abordo alguém que não fala inglês (o que é claramente 99% das vezes) eles encolhem-se naquilo que eu penso ser vergonha (ou desprezo na linguagem corporal chinesa) e vão chamar alguém que fale. Outras vezes simplesmente ignoram e passam a frente, o que passando por má educação é menos frustrante do que ter pessoas que nos respondem em cantonense e que por mais que expliquemos que não, não falamos cantonense (num gesto que inclui apontar para as orelhas e fazer figura de idiota) continuam a falar alegremente. No entanto, esta reserva faz com que não seja cansativo cá estar: não somos abordadas, não nos chateiam, não nos perguntam se queremos ajuda sempre que entramos numa loja e isso é um alívio. Ninguém troca olhares na rua, ninguém se mede uns aos outros, ninguém lança piropos. Desconfio que se uma pessoa andasse nua na rua eles não olhavam duas vezes.

No entanto, apesar de toda esta reserva encontra-se pessoas muito simpáticas: alguns taxistas que se entusiasmam imenso perante o facto de conseguirmos dizer algumas palavras em cantonense; as senhoras do mercado, que debitam toda a lista de frutas e legumes que sabem dizer noutra língua que não a delas; pessoas na rua que nos ajudam quando andamos perdidas de mapa na mão e com 5 caracteres chineses escritos num papel que só depois descobrimos não formarem o nome da rua onde queremos ir.

Em Macau, por todos os jardins e praças há equipamentos de exercícios que velhos e novos usam para se manter em forma. É aliás muito comum de manhã se ver os mais velhos a praticarem tai chi nos jardins, com paus a servir de espadas. De vez em quando vou correr para o reservatório onde há muitos desses aparelhos públicos de ginástica e toda a gente os usa. E fazem-no muito mais por uma questão de saúde do que de beleza, o que é de louvar. Deve ser por isso que em Macau toda a gente aparenta ter metade da idade real. Parece que o ar tem formol ou qualquer coisa do estilo.

Por outro lado, quase não existem mendigos em Macau. Pelo que percebi isto só acontece mesmo em Macau, onde a explosão dos casinos arrastou toda a economia para uma prosperidade que está longe de existir de forma tão homogenea na China. Assim, ao contrário do que acontece por exemplo em Hong Kong, praticamente não se vê pessoasna rua a pedir, algo que só reparei quando na zona dos bares em Hong Kong tive um senhor a agarrar-me no braço a pedir dinheiro: é o tipo de constragimentos que aqui não temos. Claro que na China continental a história é outra.

Depois Macau, pelo seu tamanho, tem todas as particularidades de uma cidade pequena: já conhecemos algumas pessoas que connosco apanham o autocarro de manhã, a senhora do quiosque onde vamos todos os dias já nos conhece, e apesar de proferir apenas um ou duas palavras em inglês esforça-se por ser simpática. Por apenas haver um ou dois espectáculos culturais por mês tentamos ir a todos por mais que nunca tenhamos ouvido falar do artista. Já vamos conhecendo os cantos à casa e as ruas e as zonas tornam-se familiares, o que a julgar pelo meu sentido de orientação nada apurado, demoraria anos a acontecer numa cidade grande.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Por estes dias

Por estes dias o tempo em Macau tem andado meio louco: uns dias faz um calor insuportável, que aliado à húmidade intensa torna qualquer aventura de passeio um desafio herculiano. A roupa cola-se ao corpo e sentimos a pele peganhenta como se estivessemos a correr dentro de uma sauna. E ainda não começou o Verão! (Começo a temer as viagens de autocarro logo de manhã). Outros dias faz frio, nos outros chove. O sol vê-se pouco, está quase sempre nublado.

Por isso mesmo, há poucos restaurantes com esplanada. Na noite dos anos da Joana (uma das minhas flatmates) fomos a um restaurante que é o cais 22 que tem esplanada. Restaurante é elogio, porque aquilo era na verdade um tasco que em qualquer parte do mundo uma qualquer ASAE fecharia sem sequer dar dois passos para lá da porta. Como estava uma ventania enorme nessa noite acabámos por não ir para a esplanada, o que eu agradeci porque ao que parece vagueiam por lá ratos e baratas com um à vontade desconcertante. A comida é boa, e se ignorarmos a cozinha, as toalhas de saco de plástico e os tanques com os animais vivos lá fora, o jantar torna-se bastante agradável.
Como boas amigas que somos eu e a Inês, após muito pensar, decidimos oferecer à Joana um bilhete para o Jonh Legend que vem cá em Abril ao hotel Venetian. Os bilhetes foram caríssimos, e comprámos um para cada. Quando chegamos a casa, ia eu pôr o bilhete da Joana num envelope amoroso com um postal custom made quando reparo na data do concerto: 10-04. Ora dia 9-04 marcámos nós viagem para Yangshuo. Ainda assim, contei umas dez vezes os meses, voltei a contar, e sem pinga se sangue contei o sucedido à Inês. Na mesma noite vendi um dos bilhetes, e os outros dois também já os vendi. Deve ter sido por ser sexta-feira 13.

Nessa noite ainda fomos ao MGM e sem coragem para repetir o percurso cubic-D2 -macdonald's ao pé de casa, fui dormir.
Nestes últimos fins de semana tenho aproveitado para explorar Macau e conhecer aquilo que o meu guia da China diz ser o must see em de cá. Depois faço um post com essas atracções para aliciar os potenciais visitantes de Macau.
Durante a semana temos trabalhado quase sempre até tarde e por isso não dá para explorar quase nada. O consulado é um antigo hospital, que após a passagem de Macau para o governo Chinês foi reclamado pelo governo português e passou a ser o consulado. Ora os chineses acreditam que por ter sido um hospital o edifício está assombrado com os espíritos daqueles que aqui morreram. Por isso mesmo, não entram nem saem pela porta principal, a porta dupla, porque dizem que é a porta dos mortos. Da mesma forma, é com muita relutância que vão aos arquivos, porque fica na antiga morgue. Eu e Inês damo-nos bem com os espíritos; saímos do consulado sempre à noite, com o edifício deserto e eles nunca nos chatearam. Mas claro, qualquer anomalia que aqui suceda é culpa dos espíritos: desde uma lâmpada que pisca, a um senhor que aqui trabalhava e aparentemente se suicidou. A nossa colega macaense, a Fátima, contou-nos isto com uns olhares cheios de significado, como se nós também já tivessemos topado que os espíritos estão numa de fazer o pessoal todo saltar das janelas.


O cais 22 - o de ruivo é o Zé Maria com a peruca da Joana

A Inês cheia de medo dos espíritos




domingo, 15 de março de 2009

What we've been up to

Pôr a casa em ordem.... finalizar as compras ("ah...não comprámos descascador de cenouras!!"). Contratar uma empregada, a Aina, filipina e emigrante, que conseguiu dar um aspecto decente à nossa desarrumação cansada, o que fez com que deixássemos de ter vergonha de abrir a porta de casa a alguém. Ir às compras de comida, porque falta sempre qualquer coisa. Conseguir comprar bacalhau (finalmente!!) lombos de porco e carne picada. Tentar fazer lasanha no forno (i.e. micro-ondas com um grande ego) dos nossos vizinhos. Acabar por fazer bolonhesa porque no forno só cabe um pirex de brincar. Conseguir ainda assim fazer bacalhau com natas: sucesso estrondoso.

Trabalhar, e chegar quase sempre atrasadas ao trabalho. Ficar doente de 5 coisas ao mesmo tempo (gripe, amigdalite, sinosite e amigos). Ir a reuniões a Hong Kong e chegar a casa as 10 da noite. Fazer planos de cozinhar mil coisas. Fazer sopa, muita sopa, que sopa dá sempre jeito ter em casa.

Planear viagens: Yangshuo, Beijing, Kota Kinabalu. Perceber que não vai dar tempo para ir a todos os sítios que gostavamos. Chegar todos os dias tarde a casa, e não ter tempo para ir ao ginásio, para ver um filme, para dar uma volta. Aproveitar os fins de semana até não dar mais, espremer o tempo até à ultima gota, fazer mil coisas num dia.

Pagar as contas da casa, a renda, a àgua, a luz, o gás, a internet. Decidir todos os dias onde almoçamos (hoje apetece-te chinês ou outra coisa??). Fazer máquinas de roupa para a Aina passar. Perceber que a roupa nunca vai secar realmente ao ar livre e que vamos mesmo de pôr tudo no secador. Mudar de toalha de banho mais que uma vez por semana porque não seca e fica a cheirar mal. Custar a adormecer porque a luz do quarto pisca quando desligada, qual sinalização para aviões. Comprar desumidificadores. Ter ainda assim o quarto sempre húmido. Ter a sensação que nos falta sempre comprar qualquer coisa.

Jantar fora: japonês, chinês, italiano, tailandês. Passear em Macau e descobrir os templos, os jardins, aquilo que sobreviveu à fome demolidora dos casinos. Ver um espectaculo de jazz no centro cultural, com a casa cheia. Comer fruta fresca na rua, em sumos ou aos pedaços. Andar em ruas limpas de cócó de cão, ruas que mesmo à noite e mesmo desertas são sempre seguras.

Contemplar diariamente o mistério que é a cultura chinesa, e perceber, por comparação, que também nós temos uma cultura cheia de contradições.

domingo, 8 de março de 2009

Culture clash

Quando soube que vinha para Macau (depois de EUA e Madrid como ameaças - sim porque no dia da divulgação dos destinos disseram em alto e bom som à frente de 400 pessoas: Catarina Bandeira, EUA, ao qual eu pulei de alegria para depois o senhor dizer: ah e tal isto é engano, afinal vai para Espanha), estava preparada para encontrar muitas diferenças culturais. Mas realmente há umas a que não se conseguem ficar indiferente por mais espírito aberto que se tenha. Não é uma crítica, é uma observação.

Tudo começa quando se anda nos autocarros: em Macau são pequenos, com meia dúzia de lugares sentados. Os chineses, ao que parece, detestam mesmo viajar de pé porque assim que o autocarro pára na estação, o recato e contenção das pessoas desaparece e desata tudo a correr e a empurrar-se para entrar, numa luta corpo-a-corpo à qual nem velhos nem crianças escapam. Claro que a nossa relutãncia em participar neste confronto quase medieval leva a que nunca arranjemos lugar sentadas. Depois, quando alguém toca na campainha para sair começa toda a gente num alvoroço para ficar com o lugar vazio, numa espécie de jogo das cadeiras que ganha quem conseguir subrepticiamente enfiar-se no dito lugar recorrendo a toda a mestria na arte de deslizar entre a massa de gente.

Dentro do autocarro há também sinais interessantes que pedem o obséquio aos senhores passageiros de não cuspir no chão, se não for muito incómodo. É sempre bom avisar, porque de certeza muitos chineses não sabiam que é uma badalhoquice fazer tal coisa.

Ainda em relação a meios de transporte, eles gostam de enfeitar os carros. Já falei do freestyle teddy bear décor, do extreme tunning, mas quando há casamentos eles gostam de elevar a fasquia. Nestas ocasiões, no carro dos noivos abunda o cor-de-rosa , e o tule, as flores em cada canto e os laçarotes são apenas a moldura para a piéce de resistance que é um casal de peluches no capot (podem ser ursinhos, bonequinhos, qualquer coisa desde que seja o par). Segundo me foi dito, faz também parte do ritual do casamento, o casal fazer uma sessão fotográfica (antes do mesmo) em locais idílicos, vestidos a rigor (de noiva e noivo), e depois fazem um àlbum que durante o casamento é passado de mão em mão para que cada convidado tece alguns comentários à cerca da fotogenia dos noivos.

Adorava presenciar um destes casamentos, porque a julgar pelas montras de vestidos de noivas e damas de honor, devem ser um desfile carnavalesco de mau gosto ao nível de qualquer filme de kusturika.

Outro aspecto em que a cultura chinesa difere muito da nossa é os limites entre o que é feito em público e o que é intimidade. Já falei no cuspir para o chão, no arroto nada tímido, na flatulência que assalta os chineses no meio da rua. Mas há outros fenómenos interessantes: os miúdos chineses não usam fralda, usam a rua para aliviar as suas necessidades, para proteger os rabinhos de ficarem assados. E como ninguém quer que os miúdos molhem as calças, estas são especialmente desenhadas, com um buraco entre as pernas, para que no caso de emergência seja só afastar a perna e cá vai disto. Ah, é para a coisa não se tornar muito complicada também não usam cuecas, porque há que poupar todos os segundinhos. No entanto, nenhum chnês convida alguém para ir a sua casa. Não isso é que não, é uma invasão de privacidade, uma exposição demasiado grande da sua intimidade.

Assim, a relação com o espaço público é muito interessante. De manhã vêm-se os velhotes a fazer tai chi no jardim e em vários locais de Macau existem ginásios ao ar livre, com máquinas de exercícios (que pintadas de amarelo e vermelho mais parecem um parque infantil) numa demonstração da generosidade do regime: milhões de chineses vivem abaixo do nível de pobreza, mas ao menos andam em forma. Quando o cansaço toma conta deles, agacham-se no meio da rua, numa posição de desafia qualquer conforto, mas que zela pela manutenção dos bancos de jardim.

A relação entre pessoas do mesmo sexo e de sexos opostos é também algo que foge à minha compreensão. É muito vulgar ver-se as raparigas de mãos dadas a passearem na rua, o que não chocando propriamente, se torna esquisito quando vemos que elas não se largam. E os homens não se ficam atrás: tentando mostrar ao mundo a forte amizade que os une, andam abraçados para todo o lado. E não, não são gays, apesar de o andarem com malas de mulher ter levantado fortes suspeitas disso. No entanto, apesar deste contacto físico todo, homens e mulheres não se tocam. Quando nos mudámos para a nossa casa, a Inês conheceu um nosso vizinho chinês de Hong Kong que dias depois encontrámos na paragem do autocarro. A Inês, num lapso totalmente lamentável, lá foi dar dois beijinhos ao Kevin, o vizinho, ao que o rapaz congela e permanece parado no mesmo sítio, ficando ainda mais branco. Parecia que tinha sido violado, coitado.
No entanto é bom ver as coisas que temos em comum: tal como em Portugal os senhores taxistas cultivam a arte da unhaca bem grande, acessório extremamente útil numa grande variedade de situações. Por outro lado, se eu achava que os portugueses conduziam mal, senti um grande orgulho nos nossos condutores quando cheguei a Macau. Não é que eles conduzam mal, é mais que eles não sabem o que é conduzir.

Ficam algumas fotos para mostrar estas preciosidades



segunda-feira, 2 de março de 2009

Shanghai


Dentro do Maglev - o comboio mais rapido do mundo, movido a energia electromagnética



Jantar de sexta-feira - o comité de recepção


No bar rouge



À entrada da old town




Os Yuyuan Gardens






A vista de cima do tira-caricas. É o "observatory" mais alto do mundo


Jantar de sábado no japonês


No museu de Shanghai


O que as fotografias não contam:
Que Shaghai é uma cidade vibrante, cosmopolita, que vive com toda a força de um lugar que descobriu que tem ainda tudo para crescer. Que no meio de tantos arranha-céus ainda há quem viva segundo os costumes mais tradicionais chineses, que se encontram lugares intemporais no meio da azáfama e da pressa quotidiana dos cidadãos.
Que fomos recebidos por um grupo de contactos de várias edições por outros portugueses, de forma tão calorosa que custou voltar. Que as noites foram brutais e os dias passados numa sonolência dormente a tentar ver mais de Shanghai do que discotecas e bares (apesar de tantos e muitos deles lindíssimos).

Que, por fim, um fim de semana soube a muito pouco, e o gostinho que ficou na boca deixou a vontade de voltar por muito mais tempo.